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terça-feira, 10 de março de 2015

Estômago



ESPETÁCULO DE CRIAÇÃO COLETIVA I Elenco: Jessé Duarte, Kaká Pimentta e Warlen Dimas I Direção: Jessé Duarte I Dramaturgia: Rogério Coelho I Preparação Vocal: Nil Duarte I Preparação Corporal: Robson Nunes I Iluminação: José Reis I Execução Musical: Rogério Coelho e elenco I Trilha Sonora: Criação Coletiva I Fotografia: Ricardo Malagoli e Tavos Mata Machado I Vídeo: Ricardo Malagoli e Diego David.



Estômago é resultado de um processo de criação coletiva da Cia. Crônica de Teatro. Estreou em janeiro de 2011 em uma temporada itinerante pela cidade de Belo Horizonte e região. Com direção de Jessé Duarte que também compõe o elenco, a montagem traz em cena Kaká Pimentta e Warlen Diamas, além de Rogério Coelho que faz a da execução musical também e assina a dramaturgia.


O espetáculo narra o cotidiano de uma fabrica que produz transformações e traz a tona de forma crítica e bem humorada, uma reflexão sobre os acontecimentos históricos e sociais relacionados à vida do trabalhador brasileiro. Num lugar estranho onde é proibida a entrada de comida e papel higiênico, alguns operários recebem os novos funcionários recém contratados. Em meio aos treinamentos são produzidos acontecimentos comuns do nosso cotidiano e escapam alguns absurdos invisíveis aos olhos da alienação gerada pelo trabalho. Enquanto isso é carnaval e tudo pode parar a qualquer momento, para dar passagem a algo de novo que esta para acontecer.



Apropriada pela ideologia dominante, a transformação é um produto em alta do mercado, é o princípio corrente das indústrias. Elas nasceram para transformar. Dá certo! Transformam matéria prima em produtos; frutas em sucos; minério em aço; brinquedos em desejos; aço em peças; peças em carros; horas em dinheiro; cultura em mercadoria; trabalhadores em horas; horas em trabalho; horas em dinheiro; trabalho em aço; aço em dinheiro; dinheiro em dinheiro.

SOBRE A MONTAGEM DO ESPETÁCULO ESTÔMAGO


A montagem do espetáculo Estômago trousse para o grupo, a urgência e a necessidade de entender o momento atual historicamente. Para projetar um futuro menos alienante e mortificante, em cena foram buscadas formas populares e acessível de expor uma realidade onde as relações estão submetidas a uma analise de classe onde existem interesses opostos sempre. As relações de opressão e exploração capitalista são trazidas à tona para serem entendidas dentro de uma perspectiva histórica em movimento constante.

O teatro épico-dialético, estudos e fundamentos de Bertolt Brecht serviram de referências para expor o cotidiano dos trabalhadores e suas contradições. A Cia. Crônica realiza seus trabalhos em meio à periferia industrial de Belo Horizonte e a poluição, o barulho das maquinas das fabricas e multinacionais que invadem constantemente a sala de ensaio foram provocações imediatas que interferiram diretamente na criação do espetáculo.


Dentro do processo de criação, o teatro de Brecht se mostrou atual por apontar caminhos que permitem o ator a expor um olhar crítico sobre a realidade em que esta inserido. Por isso se tornou ferramenta indispensável para criação do grupo. A força de seu pensamento dialético abre uma possibilidade de revelar as contradições do mundo atual, onde o completo relativismo sobre todas as coisas tem se tornado um freio para ações coletivas.

A montagem do espetáculo e sua temporada de estréia são realizadas com os benefícios do Fundo Municipal de Cultura da Lei Municipal de Incentivo a Cultura de Belo Horizonte. Em 2010 foi realizado um ensaio aberto seguidos de debate no projeto Grupo em Trama, (Idealizado pelo grupo trama de Teatro) que reúne grupos e artistas interessados em discutir o fazer teatral compartilhado. No mesmo ano realizou uma apresentação de Pré-estréia a convite da FAE/UFMG (Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerias) dentro do Ciclo de Conferencias Socialismo e Educação.



CONCEPÇÃO


Bom, tomamos a liberdade de chamar este texto de conversa. Sim, porque a concepção deste espetáculo é ainda um exercício, e nada melhor para se organizar as idéias do que uma boa conversa. A concepção do espetáculo como exercício? Talvez isso seja uma contradição: “conceber” é o ato de deixar pronto, e “exercício” é uma prática da repetição. Há algo estranho aí. Entendendo que não se pode repetir o que já está pronto, o mesmo produto, o mesmo bebê ou a mesma idéia. Então, temos uma contradição. Que bom! Pois tratem de achar algo no mundo que não é contraditório; algo que não tenha em si mesmo o seu contrário. Se acharem... e achar a não-contradição de alguma coisa que “exista” revela uma mega viagem hiper-ultra-espacial ao centro da terra dos filósofos de plantão – eu disse Platão? Não! Pois, se acharem vão brigar com Heráclito, Hegel, Marx, Brecht e outros tantos mais que ponderaram seu tempo sobre isso. Citamos esses aí porque foram alguns dos quais orientaram de perto nosso trabalho. Eles falaram da contradição, ou melhor, da dialética. Sim, uma peça de teatro é um produto, está pronta, mas pronta para seu recomeço. Pronta para a transformação.




O espetáculo Estômago apresenta uma fábrica que produz transformações. “Transformação é um produto em alta no mercado” como alerta o operário Zé na entrada do teatro, coisa muito comum do processo de industrialização. É o princípio corrente das indústrias, elas nasceram para transformar. Dá certo! Transformam matéria prima em produtos; frutas em sucos; minério em aço; brinquedos em desejos; aço em peças; peças em carros; horas em dinheiro; cultura em mercadoria; trabalhadores em horas; horas em trabalho; horas em dinheiro; trabalho em aço; aço em dinheiro; dinheiro em dinheiro.




Por que o teatro não poderia se apropriar da mais nobre arma do capitalismo? A mais-valia, ou melhor, o excedente de horas exploradas sobre o tempo real necessário para pagar os custos produção, que se apresenta de forma muito clara na peça com a proposta de que ela seja dividida; transformada em sonho, fantasia, desejo, vida e essência para os operários, quem a coloca nas mãos dos poderosos. Pretensioso, não?! Como delimitar tão friamente riqueza e pobreza; patrão e operário; capitalismo e socialismo?! O capitalismo, como vários estudos apontam, toma uma forma cada dia mais destradicionalizante. A ponto de não conseguirmos ver uma classe média, que viaja de avião mas não ganha o suficiente pra carne e pro pão.. lailá laiá... o patrão que está cada vez mais distante, e eu só vejo o coitado do chefe pedante... ou o pobre operário, que compra ação sonhando em ser sócio ultra-minoritário... laiá laiá... É verdade, dá até samba. Enfim, como usar da arma mais conhecida de Brecht no teatro, o distanciamento, para dizer que a opressão e exploração no trabalho não são comuns. Como bem nos fala o Roberto Shwartz em uma conversa com a Cia do Latão, em Sampa nos idos de 2001, “corremos o risco de alguém nos dizer: e daí? So what?”. Não basta hoje apenas mostrar que não é natural as formas desumanas com que os trabalhadores são tratados. A eficácia do distanciamento estaria comprometida. A opção de termos expectadores-operários na peça é uma tentativa de aproximar as formas simbólicas do trabalho do grande público, e dar-lhes a chance de desfrutar dos bens do capital, ritmados aos sambas, à vibração da liberdade na folia do carnaval, à poesia da linguagem teatral como forma de gozar dos bens gerados pelas forças de trabalho.


Antes! A liberdade. Liberdade da alienação do trabalho. É pouco para a luta de classes? Sim, mas nossa conversa aqui é sobre o exercício. Exercício das formas, de todas que entendem a apropriação política do teatro como a base para a transformação. “formas novas”, desde sempre, ou mais especificamente desde Tchekhov ouvimos e praticamos o “novo” no teatro. Pensamos, com espetáculo Estômago, que o “novo” seja o exercício de enxergar as contradições. Pois, essa repetição pode alimentar... bem, pode alimentar!


Este é um ponto em que gostaríamos de tocar: comida. Uma fábrica onde não se pode entrar comida tem alguma estranheza comum aos nossos olhos. Também fato de contradição, pois as empresas de hoje tratam muito bem dos estômagos dos funcionários (sem ironia!). Sabemos que estão nos achando irônico, pois é impossível não sê-lo. O absurdo não é a proibição. A proibição é apenas um símbolo dos muito artifícios gerados pelas empresas para a coerção criativa dos funcionários. Ao contrário, as empresas precisam manter vivos seus trabalhadores. Interessa-lhes a vida deles, nada mais. É preciso, aliás, alimentá-los bem. Mas, tragédia pouca é bobagem. Por pouco perderíamos o gosto em apresentar essa estranheza, a de ter uma fábrica sem comida, pois sabendo que greves foram feitas pelos trabalhadores da construção da mega Cidade Administrativa de Minas Gerais, justamente por falta de comida, ou comida estragada.





Como vêm, o exercício de falar desta concepção é eterno. Há uma vontade de explicitar as tentativas de estabelecer a dialética nas cenas; apresentá-las de forma fácil e de bom entendimento; reavaliando e sempre restando dúvidas sobre a melhor forma. Há uma ânsia de mostrar a sensibilidade de uma personagem que acompanha as cenas narrando um dia de trabalho sob uma linguagem sensível; sob o paralelo de sua vida e relação com a natureza que é transformada a cada momento, justamente para mostrar, escancarar, que nada no mundo do trabalho é natural, mas construído, mal tratado, mastigado e engolido pelas relações de opressão e exploração.



Ainda nem falamos de outras saídas mais praticas deste mar de inacabamentos; das praticas de narração que experimentamos; das cenas mais duras ou das mais poéticas; da poesia fundamental; da folia do carnaval, que nos alimenta para o trabalho desgastante e sem dinheiro (e muitas vezes sem comida mesmo). Que a cultura vira mercadoria nós já falamos, só não aprendemos com as empresas como extrair lucro disso. O inacabamento é mesmo o carro chefe dessa folia. É preciso gozar cinco dias de carnaval, cinco meses de processos, cinco(enta) anos de circulação, se não. Não tem conversa nem concepção.

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